3 de ago. de 2013

Sidarta

"Não tenhas rancor contra mim, ó Augusto - disse o jovem (Sidarta). - Não me dirigi a ti para discutir contigo, para provocar uma disputa em torno de palavras. Deveras tens razão: pouco valor têm as opiniões. Mas, com tua licença, direi algo mais: não duvidei de ti nenhum instante. Não duvidei em absoluto de que és o Buda, de que alcançaste o objetivo supremo a cuja busca se encaminharam tantos milhares de brâmanes e filhos de brâmanes. Obtiveste a redenção da morte! Ela te coube em virtude do próprio empenho, pelo método que é teu, pelo pensamento, pela meditação, pelo conhecimento, pela iluminação. Não a conseguiste através da doutrina! E... eis meu raciocínio, ó Augusto... ninguém chega à redenção mediante a doutrina! A pessoa alguma, ó Venerável, poderás comunicar e revelar por meio de palavras ou ensinamentos o que se deu contigo na hora da tua iluminação! Ela ensina e abarca muito, a doutrina do esclarecido Buda. A numerosas pessoas indica o caminho da vida honesta, afastada do mal. Mas há uma única coisa que não se acha nessa doutrina, por mais clara e veneranda que ela seja. Não nos ensina o segredo daquela experiência que teve o próprio Augusto, só ele entre centenas de milhares de homens. São esses os pensamentos e as percepções que me vieram quando ouvi a doutrina. Por isso, hei de prosseguir na minha peregrinação, não para ir à procura de outra doutrina melhor, pois sei muito bem que não há nenhuma; senão para separar-me de quaisquer doutrinas e mestres, a fim de que possa alcançar sozinho meu destino ou então morrer. Contudo, me lembrarei frequentemente deste dia, ó Sublime, e desta hora, na qual um santo se deparou com meus olhos."

Hermann Hesse